quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Resenha: Creepshow (HQ)

Uma carta de amor aos quadrinhos de terror dos anos 50, talvez essa seja a melhor forma de resumir Creepshow (1982). Dirigido pelo já falecido George A. Romero (1940-2017), e com o roteiro do ainda vivo Stephen King, o filme é uma antologia de cinco curtas de terror - não contando o prólogo e o epílogo - cada um com sua própria história, feitos nos moldes dos quadrinhos citados acima. Para aqueles que nunca viram esse tipo de HQ - que contava, por exemplo, com títulos como Contos da Cripta (Tales From the Crypt) da editora EC Comics  - elas eram, à grosso modo, antologias apresentadas por uma figura central, o host, como o Guardião da Cripta, por exemplo, que trazia histórias que giravam, ou em torno de algum tipo de evento por si só aterrorizante - monstros, alienígenas e afins - ou em algum sujeito X, que é um crápula - ou simplesmente um idiota - e que faz coisas de crápula ao longo de toda a história até finalmente ser punido no final de um modo irônico - e de algum modo relacionado com suas ações de crápula. Para aqueles interessados em saber mais sobre o tópico, recomendo o seguinte vídeo .
 
Mas mais do que simplesmente copiar o modelo das histórias, o filme de Romero vai ainda mais longe, procurando imitar também a linguagem das histórias em quadrinhos. Assim, não só os momentos iniciais e finais de cada um dos curtos é apresentado como uma página de uma história em quadrinhos, como também ao longo de toda a sua extensão vemos cenas sendo apresentadas em requadros - os quadrinhos - estilizados, como também iluminadas, ou construídas com algum outro tipo de efeito de modo a lembrar uma ilustração de  história em quadrinhos.

Apesar de toda essa introdução, não é sobre o filme que vamos falar hoje - para aqueles interessados em saber mais sobre o filme, ou ter acesso à uma resenha mais detalhada, olha o link.  Na verdade, estamos aqui para falar sobre a adaptação em quadrinhos do filme lançada em 1982 pela Plume - uma divisão da Penguin Books - e publicada há pouco tempo no Brasil pela Darkside Books em Outubro de 2017.





Já de saída, é preciso dizer que o grande atrativo dessa HQ é, de longe, a arte. 
Não que haja algo de realmente errado com as histórias em si. Levando em conta que o filme foi feito de modo a ser uma homenagem aos quadrinhos da EC Comics, é até natural que as histórias pareçam funcionar tão bem - ou até melhor -nessa "nova" mídia.

Sendo uma adaptação do filme, a HQ não se afasta muito do mesmo, apresentado histórias simples e diretas, com doses exageradas de violência e brutalidade, mas que ganham vida nova nesse formato, uma vez que detalhes como o humor negro - por meio dos recordatórios ácidos e pelas falas do anfitrião - e a violência são consideravelmente mais ressaltados aqui, ao mesmo tempo em que os "exageros" do filme - sejam nas atuações caricaturais, sejam nos enquadramentos - são deixados de lá, uma vez que estão em sua terra natal. 


Dentre as histórias apresentadas, temos: 

"Dia dos Pais"  - a história de um velho sádico e mesquinho que volta dos mortos para ter seu bolo de Dia dos Pais, assim como sua vingança;

 "A Morte Solitária de Jordy Verrill" - um caipira que encontra um meteoro que trás sonhos de riqueza - e uma estranha contaminação;

"Indo com a Maré" - um marido traído que se vinga de modo brutal da esposa e seu amante mas que descobre no fim que tudo o que vai volta;

"A Caixa" - um professor descobre uma antiga caixa que guarda um monstro, enquanto um outro professor descobre uma forma de usar o monstro em proveito próprio;

"Vingança Barata" - um velho milionário, misantropo e germofóbico e sua desventura com um milhão de baratas;

Todas elas são apresentadas como no filme, seguindo a mesma premissa e lógica, só que em quadrinhos. Em apenas duas delas pode ser sentida uma mudança brusca provocada pela mudança de mídia, gerando uma experiência que é, de fato, diferente com relação ao filme. No primeiro, "A Caixa",  temos um segmento que realmente se beneficia dessa mudança, ao passo que em "Vingança Barata" acontece exatamente o oposto. Se no filme "A Caixa" destoa dos demais segmentos por ser sério e arrastado demais, aqui ele é mais equilibrado. Continua, é verdade, sendo a história mais longa da antologia, mas aqui, seu tom é atenuado pelos recordatórios irônicos e sarcásticos do host e seu ritmo melhor trabalhado nas páginas. Em contrapartida, "Vingança Barata" perde muito do seu impacto, uma vez que sua força vem diretamente da sensação de nojo e repulsa provocada pela visão das centenas de milhares de baratas que vão  tomando conta do apartamento do protagonista da história e que não consegue ser copiada em quadrinhos.

Naturalmente, também se perdem na adaptação o peso das atuações - como a de Leslie Nielsen (1926-2010) - que, são, de certa forma um dos grandes charmes do filme. Mas essa perda é compensada, de certa forma, pelo trabalho de arte da equipe envolvida no projeto, que conta com nomes como Jack Kamen (1920-2008), Bernie Wrightson (1948-2017) e Michele Wrightson (1941-2015).


Jack Kamen,responsável pela capa da HQ - que também foi um dos posters do filme -,enquanto os Wrightson ficam com as ilustrações internas. Grande nome dos antigos quadrinhos de terror da EC Comics, é mais do que natural que seja de Kamen a primeira imagem a saudar o leitor num obra de homenagem como Creepshow. Uma arte fantástica, a capa de Kamen captura o olho do leitor, ao mesmo tempo que o prepara para aquilo que vai ler.

Dando seguimento à abertura de Kamen, temos aqui um belo trabalho de Bernie Wrightson que, ao mesmo tempo emq ue homenageia os antigos quadrinhos de horror com closes e posições típicas dos mesmos, cria todo um peso e atmosfera para seus cenários e personagens. É nos domínios do terror e do macabro que a arte de Wrigthson parece se sobressair mais - como mostra seu Monstro do Pântano ou sua versão do Frankenstein  - e nessa primeira colaboração com King, o artista tem espaço e liberdade para isso. Em seus desenhos, cemitérios são melancólicos e opressivos; as grandes imensidões dos campos, solitárias e lúgubres; os revenants, decadentes e repulsivos, e a violência, sempre terrível. De fato, no seu traço, cenas que já são chocantes por si no filme, ganham um novo impacto aqui, como no caso do afogamento na praia, ou a morte de Jordy Verrill ou mesmo as várias mortes provocadas pelo monstro da caixa.

Auxiliando a arte, as cores de Michele Wrightson dão um complemento incrível à obra, enfatizando, com uma paleta de cores fortes, mas sempre sóbria, os aspectos ora perturbadores, ora nauseantes que infestam esse pequeno passeio pelos reinos do horror. Mais do que isso, há um cuidado especial aqui em dar ao todo uma aparência mais antiga do que deveria ter - preservando assim a aura de homenagem.

É todo esse trabalho, em resumo, que faz com que a arte de Creepshow seja algo tão impressionante e, de longe, o verdadeiro carro-chefe desse material.

Apesar de estar na primeira leva de quadrinhos publicadas pela Darkside, o álbum trás a tradicional qualidade da editora, sendo uma senhora publicação em capa dura no formato magazine (21 x27,5 cm). Mesmo assim, existe um pequeno problema que vale a pena trazer à tona, apesar desse ponto ser um tanto quanto discutível.


A saber, esta edição de Creepshow é completamente "seca". Em outras palavras, não há, na edição, nenhum tipo de material complementar, seja ele um comentário sobre o filme que inspirou a HQ - e  a homenagem embutida no mesmo - seja sobre o que foi a EC Comics e suas histórias de terror. Não há sequer uma folha contando com as biografias de poucos parágrafos sobre os envolvidos, o que, apesar de poder parecer redundante, seria o mínimo a constar num trabalho desse tipo - ainda mais levando em conta o falecimento de Bernie Wrightson em Março de 2017, algo que, por si só, valeria uma homenagem. 

Mas, como dito antes, o fato disso ser um problema ou não é discutível, ainda que seja inegável o fato de que a presença de tal material, por menor que seja, enriqueceria a experiência de leitura do álbum. 

 Assim sendo, Creepshow termina sendo uma leitura leve e divertida que, assim como o filme, se dedica a homenagear um tipo de histórias que marcou uma determinada época. Para os fãs do filme, ou do gênero, é uma leitura certamente obrigatória. O mesmo pode ser dito para os fãs de Bernie Wrightson - ou os apreciadores de uma boa arte. Para aqueles que preferem histórias mais elaboradas e complexas, essa é uma daquelas edições que podem ser deixadas de lado sem maiores problemas, apesar de que a arte do álbum ser merecedora de pelo menos uma boa olhada.