sábado, 23 de janeiro de 2016

Os Oito Odiados - Crítica

Quando o diretor Quentin Tarantino anunciou, em meados de 2014, que se aposentaria após 10 filmes, foi quase natural que uma aura de expectativa e ansiedade surgisse em torno de seus próximos 3 trabalhos.

No caso de Os Oito Odiados (The Hateful Eight, 2015), a situação assumiu ainda maiores proporções devido ao vazamento do roteiro do filme, ainda nos períodos iniciais da produção - o que levou o próprio Tarantino a cancelar o projeto, ainda que temporariamente.

Assim sendo, não seria um exagero muito grande dizer que o filme conseguiu um lugar entre os "mais aguardados do ano".

Agora, porém, a questão é: teria ele conseguido fazer jus à expectativa?  

P.S: Sim, é possível que tenhamos alguns spoilers por aqui. 







Com roteiro assinado pelo próprio Tarantino - como de costume - acompanhamos a história de oito pessoas que, devido à uma nevasca, acabam ficando presas numa estalagem. Presos dentro do recinto, temos o caçador de recompensas John Ruth (Kurt Russell) e sua prisioneira Daisy Dormegue (Jennifer Jason Leigh); o também caçador de recompensas Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson); o novo xerife da cidade de Red Rock Chris Mannix (Walton Goggins); o carrasco de Red Rock Oswaldo Mobray (Tim Roth); o ex-general Sandy Smithers (Bruce Dern); Bob (Démian Bichir) um dos funcionários da estalagem e um cowboy solitário chamado Joe Gage (Michael Madsen). Contudo, à medida em que a noite e a tempestade avançam, também cresce a tensão entre os presentes até que, finalmente, os números começam a cair.

 Ainda que não seja uma ideia exatamente nova, o recurso de trancar um grupo de pessoas das mais variadas origens e com as mais diversas motivações num mesmo ambiente é uma maneira excelente de se criar tensão e, quando bem explorado, rende filmes incríveis - como, por exemplo, Doze Homens e Uma Sentença (1957). Por outro lado, esse recurso também é bastante arriscado, uma vez que, como temos um elenco reduzido e o foco em um único cenário, corre-se o risco de se criar uma narrativa monótona e desinteressante ou, caso os atores não consigam fazer jus à empreitada, perder todo e qualquer efeito que o recurso poderia ter.

Em Os Oito Odiados esse recurso funciona muito bem, no entanto, fica muito aquém do que poderia ter sido.

Isso não acontece, contudo, por culpa dos atores, pois, como  geralmente ocorre em todos os filmes do Tarantino, o elenco está na mais perfeita forma. É verdade que existe uma  exceção, que é o caso de Tim Roth, muito mal aproveitando num personagem típico do Christoph Waltz, mas isso é muito mais consequência do papel do que do ator em si. Em contrapartida, Jennifer J. Leigh e Walton Goggins são as verdadeiras estrelas do filme, roubando a cena em cada uma de suas aparições. De fato, podemos dizer que são os atores que carregam o filme nas costas.

A culpa também não é da trilha sonora - elemento vital para a construção de suspenses -  que, com maravilhosas composições, marca o retorno do grande mastro Ennio Morricone após quase 14 anos longe das telas. As músicas do mestre dão o tom exato para o filme, ainda que as vezes possa parecer um pouco pesada demais para o filme, ou mesmo por ter que dividir o espaço com outras faixas, que também funcionam maravilhosamente - outra marca registrada do diretor.

A culpa, contudo, recaí nas mãos do diretor em dois aspectos importantes. O primeiro é quanto a história em si; o segundo, quanto a sua maneira de conduzir o filme.

A verdade é que, por mais que a história de Os Oito Odiados seja interessante e divertida de se ver, ela nada mais é do que uma releitura da trama de Cães de Aluguel (1992), o trabalho de estreia do diretor. Do grupo confinado e cheio de problemas, ao local isolado onde se passa todo o filme; dos imprevistos que surgem no meio do caminho ao modo de conclusão da história, as semelhanças estão ali - e de modo gritante - e não conseguem ser disfarçadas pela roupagem de western. Nem mesmo as modificações feitas são capazes de distanciar de seu irmão mais velho.  

Um outro problema da história é a inserção, um pouco forçada, de um novo personagem que esta ali única e exclusivamente para fins de fechamento de roteiro. Isso, contudo, não chega a ser um grande problema - e  poderia facilmente ter sido esquecido se o filme tivesse conseguido cumprir seu objetivo principal.
 
Pois, o verdadeiro problema com Os Oito Odiados se encontra no simples fato de ser um suspense que, infelizmente, não conseguiu ser desenvolvido à contendo - e é exatamente nesse ponto que a culpa recaí sobre Tarantino.

Vejam bem, poucas coisas são tão complicadas de se construir quanto um bom suspense - seja ele uma investigação policial ou mesmo algo mais psicológico. Ironicamente, não há nada mais fácil de se destruir do que o suspense, bastando o menor deslize para que se quebre por completo o trabalho de um filme todo. Assim sendo, é preciso uma mistura não só de talento, mas também de sutileza, timing e bom senso para que a coisa possa se desenvolver de forma apropriada. E é aqui que a culpa de Tarantino se torna evidente. Não por falta de talento ou timing, mas por conta de sua falta de sutileza. 

Ainda que seja uma de suas  marcas registradas, a violência exagerada do diretor acaba sendo um grande dessersivço para este filme. Se insinuando de modo notável desde os prmeiros minutos do longa, é mais ou menos em torno do Capítulo IV que comecemos a perceber o quão negativamente ela o afeta. Retirando a tensão de onde ela deveria estar - no caso, no confinamento e nas tensões provocadas por isso -, a violência a rouba para si, causando uma dispersão imediata dessa sensação - uma vez que, por sua própria natureza, é sempre parte de cenas rápidas e explosivas. Assim, todo o trabalho que o filme destina à construção de um clima é desfeito em breves arroubos de violência extremamente gráfica, tornando todo o trabalho anterior um mero exercício de futilidade, e deixando o filme não só sem sentido, mas também sem força.

Como consequência, temos um filme que, por mais bem feito e interessante que seja, não chega nunca a mostrar a que veio, apesar de mostrar, aqui e ali, pequenos lampejos do que poderia ter sido.

 A pior parte disso tudo, porém, é que, caso Tarantino tivesse segurado um pouco a mão na violência, ou mesmo a apresentado de uma outra forma, ele poderia muito bem ter feito um dos - senão o melhor - filme de toda a sua carreira.



 Nota: Um ridículo 6,0.