quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Crítica: Sindicato de Ladrões (1954)





Sindicato de Ladrões (On the Waterfront) é um daqueles casos em que a arte imita a vida. E, neste caso, em dois pontos.

O primeiro, por se basear na série de 24 artigos, e ganhadora do Prêmio Pulitzer em 1949, do jornalista Malcom Johnson (1904-1976) intitulada "Crimes on the Waterfront" - algo como Crimes nas Docas, numa tradução livre - publicada no há muito extinto New York Sun.

O segundo, e mais importante, por se tratar de uma forma do diretor, Elia Kazan(1909-2003) de justificar suas próprias ações tanto para si mesmo quanto para os outros. Afinal, dois anos antes, o próprio Kazan depusera como testemunha em uma sessão do Comitê de Atividades Antiamericanas, entregando alguns de seus amigos que eram, ou simpatizavam, com o comunismo.

No entanto, ainda que esse exercício de justificativa funcione quase como a espinha dorsal do filme, reduzir o mesmo à isso seria uma grande injustiça com o trabalho de todos os envolvidos. 

Antes de começarmos, eis aqui uma breve sinopse do filme: 

O ex-boxeador Terry Malloy (Marlon Brando) é um trabalhador das docas e também um dos capatazes do corrupto líder do sindicato Johnny Camarada(Lee J. Cobb) - "Friendly" no original. No entanto, após uma missão que acaba por ocasionar a morte de um trabalhador que estava disposto a testemunhar contra Camarada, Malloy começa a ponderar se o que está fazendo é realmente o certo. Nesse ponto, entram em cena duas figuras que vão exercer um papel crucial na trama. A primeira, a irmã do falecido trabalhador, Edie Doyle (Eva Marie Saint); o segundo, o Padre Barry (Karl Malden). Os dois irão, cada um ao seu modo, influenciar Malloy em seu processo de reflexão até que, finalmente, ele decida entregar todo o esquema de corrupção do sindicato de Camarada. Porém, esse é apenas o começo de seus problemas, uma vez que, após realizar a delação, o ex-boxeador terá que conviver pelo resto da vida com a fama de "dedo-duro", sendo excluído até mesmo por aqueles que ele tentava ajudar.

Dessa forma, Kazan tenta justificar, mas nunca glamorizar - o porquê de ter agido de tal modo. Para ele, o dedo-duro nada mais é do que um homem que segue seus princípios, guiado por sua própria bússola moral, e que, ao fazer isso, se torna um pária entre os seus próprios.

Mas, mais do que isso, Sindicato de Ladrões  toma um rumo muito mais interessante ao mostrar o poder transformador que um homem pode ter em seu meio. De modo semelhante ao excelente A Mulher Faz o Homem (Mr.Smith Goes to Washington, 1939) ou o também excelente A Felicidade Não Se Compra (It´s a Wonderful Life, 1946) - ambos de Frank Capra - Kazan concentra seu foco na ideia de que um homem só pode realmente fazer a diferença para mudar não só a sua situação como também a dos seus semelhantes mas, ao contrário dos filmes de Capra, tal coisa vem com um preço que, para muitos, é alto demais - ainda mais quando o próprio ato que seria corrupto se torna a norma de uma região ou grupo.

A esta altura, muitos devem imaginar que esse seja apenas mais um filme político, o que ele não é verdade. Apesar de tratar dessas questões, ele é primeiramente um filme de máfia - que, no caso, seria o sindicato, que atua de fato como uma máfia, silenciando aqueles que vão contra suas vontades ou ditando quem trabalha ou não na zona portuária - que "por acaso" esbarra em tais questões. 

Outro ponto notável do filme se encontra no campo das atuações. Apesar de termos desempenhos muito bons de todos os envolvidos, Brando - em sua segunda colaboração com Kazan, sendo a primeira Um Bonde Chamado Desejo, 1951 - e Malden carregam o filme nas costas. A atuação crua do primeiro como um ex-boxeador que luta para sobreviver e aos poucos começa a crescer do ponto moral, e a do segundo que passa a tomar consciência do que se passa com sua paróquia apenas quando o primeiro sangue é derramado, e termina atuando como uma espécie de guia, são fenomenais. O único ponto fraco talvez esteja na atuação de Marie Saint, porém não é nada que realmente prejudique no desenvolvimento do filme.

No mais, resta tecer alguns comentários com relação à trilha sonora e ao uso da câmera. A primeira ficou a cargo de Leonard Bernstein e é interessante notar como é feita a construção do clima e da tensão no filme, alternando-se cenas com música e outras no mais completo silêncio; quanto à segunda, vale a menção da sequência final do filme e o modo como a mesma é utilizada - para saber mais, apenas vendo o filme.


Nota - 10